domingo, 30 de outubro de 2011

Palestra na rede: o futuro da energia nuclear no País

O Doutor Leonam dos Santos Guimarães, assessor da presidência da Eletronuclear, empresa responsável pela operação das usinas de Angra dos Reis, afirma que vale a pena ter mais usinas nucleares em solo brasileiro. E o aumento do número de usinas será particularmente importante depois de 2030.

Usando-se do Plano Nacional de Energia 2030 feito pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), Leonam argumenta que, depois de 2030, a expansão da geração hidrelétrica será complicada (em áreas de terras indígenas e unidades de conservação ambiental), restando a expansão da geração termelétrica, através do gás natural e da energia nuclear, para suprir a demanda energética brasileira. Mesmo antes disso, entre 2020 e 2030, para manter a expansão da oferta energética em um cenário em que o potencial hídrico encontrar-se-á em vias de esgotamento, a energia nuclear torna-se estratégica.

Segundo Leonam, “não existe panacéia. A energia nuclear não é a 'cura de todos os males' do setor energético. Mas, ela exerce um papel importante de complementação térmica dentro da matriz energética diversificada que o País mantém”. Devido à sazonalidade da oferta hídrica, todos os anos a gestão segura do sistema hidrotérmico brasileiro requer, durante o ano todo, entre 2.000 e 10.000 MegaWatts (MW) térmicos complementares. E para essa necessidade de complementação térmica, a energia nuclear mostra-se a mais econômica.

Quando questionado sobre os impactos que as novas medidas de segurança resultantes do acidente nuclear japonês terão sobre os custos da geração nucleoelétrica, Leonam explica que não haverá custos adicionais no MW elétrico para as novas usinas. Isso porque as novas medidas de segurança serão implementadas já na fase de projeto das usinas. Entretanto, ressalta que para usinas nucleares com mais de 30 anos, estes custos, nesses casos entendidos como custos de manutenção, podem ser altos.

Embora a percepção pública da energia nuclear tenha sido negativamente afetada com o acidente nuclear no Japão, Leonam acredita que isso não prejudicará de forma substancial a instalação de novas usinas em solo brasileiro. Entretanto, reforça que é preciso fornecer à população acesso ao conhecimento.

Por fim, Leonam ressalta que esse assunto não deve ser discutido emocionalmente nem resolvido com ações populistas. “A decisão por novas usinas tem que ser resultado da demanda do mercado por energia. É uma atividade econômica que se justifica por ser financeiramente autossustentável e deve ser analisada dentro do setor energético”.

A palestra na qual Leonam analisou as perspectivas da energia nuclear no País foi realizada no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) em São Paulo, no dia 22 de Junho deste ano. Ela foi gravada e está disponível para o público no website do IPEN, no link indicado abaixo.

*** LINK PARA A PALESTRA ***

Confira!

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domingo, 23 de outubro de 2011

TerraPower: a energia nuclear sustentável

Bill Gates, o criador da Microsoft e um dos homens mais ricos do mundo, aposta também no setor energético. E um de seus investimentos mais promissores é o TerraPower, uma empresa "startup" que promete revolucionar a indústria nuclear mundial. Veja os argumentos de Bill Gates para investir neste projeto no vídeo abaixo.


A proposta da empresa é desenvolver um novo reator nuclear para geração de energia em larga escala, que seja economicamente competitivo, mas com uma infraestrutura mais simplificada que a dos reatores atuais. E para isso, o projeto do reator conta com a parceria de diversas instituições norte-americanas de renome, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o Laboratório Nacional de Argonne.

Os reatores nucleares são máquinas térmicas: a fissão nuclear dos átomos combustíveis libera energia que aquece um fluido refrigerante (água, por exemplo); isso produz vapor que movimenta a turbina que, por sua vez, movimenta um gerador elétrico, produzindo eletricidade (veja o vídeo abaixo para um reator como o de Angra dos Reis).



Grande parte dos reatores nucleares do mundo utilizam urânio levemente enriquecido como combustível (isto é, urânio com uma quantidade maior de urânio-235 que o encontrado na natureza). Esses reatores são chamados de térmicos porque os nêutrons que induzem a fissão dos núcleos de urânio-235 são pouco energéticos.

Já a proposta da TerraPower, por outro lado, é desenvolver um reator do tipo rápido, em que os nêutrons que induzem a fissão têm muita energia cinética. Tais reatores já existem, mas o Terrapower inova com a alta eficiência da fissão de seu combustível.

Fonte: Site do Terrapower.
O projeto do reator, iniciado em 2006, é baseado na ideia da "onda viajante" (travelling-wave reactor, em inglês), e é considerado pelo MIT como uma das "10 tecnologias emergentes de 2009". Entretanto, cabe ressaltar que essa ideia não é nova: esse tipo de reator foi proposto no final da década de 1950, mas foi estudado de forma intermitente até o interesse da empresa TerraPower nesse conceito.

Na proposta original, o reator TerraPower utilizaria, como combustível principal, urânio natural e/ou urânio empobrecido (um subproduto do processo de enriquecimento), ambos com bastante urânio-238. Apenas uma pequena quantidade de urânio enriquecido seria colocada na base inferior do reator para iniciar a reação em cadeia.

O urânio-235 é um isótopo físsil do urânio que libera nêutrons ao sofrer a fissão. Tais nêutrons são capturados pelo urânio-238, originando o isótopo instável urânio-239 que rapidamente decai para o Neptúnio-239. Este, por sua vez, decai por emissão beta para o Plutônio-239 que é um núcleo físsil, como o urânio-235.

Em outras palavras, ao converter urânio-238 (um isótopo de urânio que só sofre fissão em certas condições especias) em plutônio-239 (núcleo que sofre fissão mais facilmente), esse reator produz e queima seu próprio combustível!

Como a fissão do plutônio vai acontecendo localmente e vai mudando com o tempo à medida que mais plutônio é gerado, uma "onda" de queima do combustível é produzida de uma ponta até a outra do reator, muito semelhante a um cigarro queimando. O vídeo abaixo (em inglês) ilustra melhor essa ideia da "onda viajante".



Os benefícios desse conceito de reator são claros: ele não precisa ser reabastecido, nem ter seus resíduos removidos até o final da vida do reator, que é de cerca de 60 anos. Além disso, a utilização dos resíduos radioativos nesse reator reduziria a quantidade de resíduos do ciclo de vida do combustível nuclear, aumentando, consequentemente, a quantidade disponível de urânio no mundo para a geração de energia elétrica.

Segundo o Technology Review, do MIT, este audacioso projeto, entretanto, foi alterado recentemente, e hoje se parece mais com os reatores convencionais. As mudanças tornariam o reator mais fácil de ser projetado e construído.

No novo projeto, as reações nucleares ocorrem no centro do reator ao invés de começar em uma extremidade e mover-se para a outra. Para iniciar a reação em cadeia, varetas de urânio enriquecido são dispostas no centro do reator. Ao redor destas, são colocadas varetas ricas em urânio-238. À medida que as reações nucleares prosseguem, as varetas de urânio-238 mais próximas ao centro são as primeiras a serem convertidas em plutônio, que é então fissionado, produzindo mais plutônio nas varetas combustíveis mais próximas. Em outras palavras, a "onda" de queima agora é do centro para as bordas do reator (veja a figura abaixo).

Simulação numérica de um reator de onda viajante. Vermelho: uranio-238, Verde: plutonio-239, preto: produtos de fissão. Fonte: Wikipedia.

Neste projeto especificamente, à medida que as varetas combustíveis são queimadas (isto é, o plutônio sofre fissão), elas são levadas para a periferia do reator utilizando um dispositivo de controle remoto mecânico. As varetas de urânio-238 restantes, incluindo aquelas que em que parte do urânio já foi convertido em plutônio, são, então, reorganizadas em direção ao centro do reator para tomar o lugar do combustível removido.

Assim, neste sistema, o calor sempre é gerado perto do centro do reator. Como resultado, é mais fácil extrair e utilizar o calor para gerar eletricidade.

Um dos maiores desafios deste projeto é garantir que o revestimento de aço das varetas combustíveis possa sobreviver à exposição a décadas de radiação. Os materiais atuais não são bons o suficiente: eles incham, atrapalhando a circulação do fluido refrigerante que remove o calor das varetas combustíveis, podendo, com isso, resultar em "pontos quentes" dentro do reator.

A empresa TerraPower também desenvolve projetos para um sistema de refrigeração passiva. Como muitos outros modelos de reatores avançados, o reator TerraPower usa metal de sódio fundido como o refrigerante. O sódio demora muito mais para ferver do que a água, o que dá aos operadores de reatores mais tempo para responder a acidentes. Também seria possível usar convecção natural em caso de queda de energia, de forma que o refrigerante não teria que ser continuamente bombeado para o reator, como foi o caso em Fukushima. Um dos perigos do uso de sódio, no entanto, é que ele reage violentamente quando exposto ao ar ou água.

Depois de tudo isso, você deve estar se perguntado "o quão perto da realidade está tal tecnologia?". Segundo John Gilleland, presidente da empresa Terrapower, a "operação de um reator de onda viajante pode ser demonstrada em menos de 10 anos, e sua implantação comercial pode começar em menos de 15 anos".

Os próximos passos da Terrapower incluem finalizar o projeto e encontrar parceiros para construir, em 2016, a planta de demonstração de 500 MWe de potência. Já foram feitas negociações com organizações na China, na Rússia e na Índia. A empresa espera ter um anúncio sobre os parceiros nos próximos meses.


Para saber mais:

A energia nuclear é uma alternativa sustentável? Bill Gates acredita que sim.
Traveling wave reactor. Wikipedia.
Advanced Reactor Gets Closer to Reality. Technology Review.
Site da empresa Terrapower.


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E o tal do "lixo atômico"?

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um propulsor a fusão para viagens espaciais

Reação altamente energética, limpa, produz um grande impulso a partir de uma gota de combustível.

Por Willie D. Jones em ieespectrum
Tradução de Ricardo Sovat
   
28 de Junho de 2011 – Projetistas de satélites são obsessivos quanto a quão pouco combustível suas criações podem carregar no espaço. Logo, o método de propulsão que eles escolhem para manobras tais como mudanças de órbita tem que conseguir muito a partir de pouco.

Agora um engenheiro da NASA apresentou um novo método de mover satélites pelo espaço com meros gramas de combustível, dezenas de vezes mais eficientemente que os melhores propulsores das sondas espaciais atualmente empregados.

A resposta, ele diz, é a fusão. Você pode estar pensando, “Fusão? Sério?” (Fusion? Really?) Mas não é tão forçado quanto parece à primeira vista. O engenheiro divulgou os detalhes no Simpósio de Engenharia de Fusão do IEEE, em Chicago (IEEE Symposium on Fusion Engineering).

Em vez de usar deutério e trítio como fonte de combustível, o novo motor extrai energia do boro. Usar boro, um combustível “aneutrônico”, apresenta diversas vantagens sobre a fusão nuclear convencional. Fusão Aneutrônica, na qual nêutrons representam menos do que 1% das partículas energizadas resultantes de uma reação, é mais fácil de controlar. “Nêutrons são problemáticos, porque antes de tudo são difíceis de dominar,” diz John J. Chapman, o inventor do conceito, físico e engenheiro eletrônico no Centro de Pesquisas da NASA em Langley, Virginia. Para utilizar nêutrons, “você precisa de uma barreira absorvente que converta a energia cinética das partículas em calor,” diz. “Na verdade, tudo que você consegue é uma máquina térmica de luxo, com todas suas perdas e limitações decorrentes.”

No método do reator de fusão aneutrônico de Chapman, um laser de bancada disponível no mercado inicia a reação. Um feixe com energia na ordem de 2 x 1018 watts por centímetro quadrado, frequências de pulso superiores a 75 megahertz e comprimentos de onda entre 1 e 10 micrômetros é dirigido para um alvo de duas camadas e 20 centímetros de diâmetro.

A primeira camada é uma folha de uma película metálica condutora com espessura entre 5 e 10 µm. Ela é responsável pelo campo elétrico de teravolt por metro criado pelo pulso de laser, “funcionando como um acelerador de prótons de fato,” diz Chapman. O campo elétrico libera uma chuva de elétrons altamente energéticos da película, deixando um tremenda carga positiva de saldo. O resultado é uma força auto-repulsiva substancial entre os prótons, que levam o material metálico a explodir. A explosão acelera prótons na direção da segunda camada do alvo, um filme de boro‑11. 

Adaptado de ieeespectrum magazine.

Lá, uma complicada dança nuclear se inicia. Os prótons (que carregam energia da ordem de aproximadamente 163 keV) chocam-se com os núcleos de boro formando núcleos de carbono excitados. Os carbonos decaem imediatamente, cada um formando um núcleo de hélio-4 (uma partícula alfa) e um núcleo de berilo. Quase instantaneamente o núcleo de berilo decai, fragmentando-se em mais duas partículas alfa. Logo, para cada par próton-boro que reage, têm-se três partículas alfa, cada uma com uma energia cinética de 2,9 MeV. 


As forças eletromagnéticas empurram o alvo e as partículas alfa em direções opostas e as partículas são expelidas da espaçonave por um bocal, fornecendo propulsão ao veículo. Cada pulso de laser geraria cerca de 100.000 partículas, tornando o método tremendamente eficiente, diz Chapman. E, de acordo com seus cálculos, melhoramentos nos sistemas de laser de pulsos curtos poderiam fazer esta forma de propulsor 40 vezes mais eficiente até mesmo que o melhor sistema de propulsão iônico atualmente usado para mover espaçonaves. Mesmo com uma eficiência de 50%, a queima de 40 miligramas do combustível de boro geraria 1 gigajoule de energia. A potência total depende da taxa de pulsos do laser.

O motor poderia gerar 1 megawatt se os pulsos fossem frequentes o bastante para iniciar reações que consumissem aquela quantidade de boro em 1000 segundos. (De acordo com Chapman, o uso desta técnica de fusão aneutrônica com isótopos de hélio-3 atingiria aproximadamente 60% mais energia por unidade de massa. Porém, o boro é uma fonte de combustível muito mais atraente porque é abundante na Terra, enquanto o hélio-3 é escasso). Outra grande vantagem da propulsão espacial a fusão, alega Chapman, é que parte da energia pode ser convertida em eletricidade para alimentar o sistema de controle embarcado da espaçonave. “Um tubo de ondas viajantes — basicamente um klystron invertido — absorve a maior parte da energia cinética do fluxo de partículas e a converte eficientemente em energia elétrica”, diz Chapman. O processo, segundo ele, tem um rendimento entre 60 e 70 por cento.

O engenheiro da NASA reconhece que este conjunto de ideias ainda está longe de se tornar um dispositivo prático. Por exemplo, as perdas advindas do choque das partículas alfa com as laterais do bocal de exaustão ou umas com as outras reduzem o saldo de energia obtido. Imaginar como controlar a trajetória das partículas é um ponto importante.

Ao ser perguntado quanto tempo levará até seu reator de fusão estar impulsionando uma espaçonave em direção a Marte, Chapman admite que uma década de trabalho poderia ser necessária antes disto acontecer. “É preciso uma equipe de trabalho para obter alguma coisa em condições de ser mandada ao espaço”, diz. Seu objetivo até agora é “expor a ideia de modo que outras mentes possam começar a pensar a respeito”. 

domingo, 16 de outubro de 2011

Radiação ajuda a preservar obra de arte

 Fonte: Site do IPEN

Escultura do séc. XIV
A radiação ionizante foi utilizada no trabalho de conservação e restauro de uma escultura do século XIV representando Nossa Senhora e o Menino Jesus, pertencente ao acervo do Mosteiro São Bento de São Paulo. A peça, infestada por cupins, foi submetida a um tratamento utilizando radiação ionizante, no último dia 5 de outubro, no Centro de Tecnologia das Radiações (CTR) do Instituto de pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN). Todo o mosteiro está sendo restaurado por uma empresa especializada, que contatou o instituto para irradiar a escultura.

A pesquisadora do CTR Luci Diva Brocardo Machado explica que a radiação é uma alternativa segura e muito eficaz e que pode impedir que se percam construções e objetos de valor histórico e cultural para a humanidade. A radiação tem sido utilizada para recuperar e conservar obras de patrimônio histórico, artístico e cultural em uma linha de pesquisas que já contabiliza resultados expressivos.

A peça está infestada por cupins
A obra será irradiada com raios gama no irradiador multipropósito do CTR, por cerca de 15 minutos. Após o tratamento com radiação, a restauradora Márcia Rizzo seguirá com o processo de restauro da escultura, bastante danificada, segundo ela, que já utilizou a radiação ionizante para tratar outras obras de arte, como um quadro peruano do século XVII.

O uso da radiação ionizante na conservação e restauro de obras de arte é um trabalho multidisciplinar que envolve profissionais de várias áreas, como museólogos, restauradores, físicos e químicos. Em parceria com diversas instituições já foram tratados no IPEN quadros, xilogravuras, papeis e peças diversas infestadas por fungos, bactérias, cupins e brocas, destaca Luci Machado.


Durante o processo de irradiação, são posicionados dosímetros para garantir que a dose correta foi absorvida pelo material. A dose de um quilogray é suficiente para eliminar os insetos sem no entanto provocar alterações nas propriedades dos materiais envolvidos no processamento.

Países como Japão, Áustria, Polônia, França, Alemanha e República Tcheca utilizam a radiação ionizante para desinfestar obras de arte e desenvolvem várias pesquisas na área. Obras de patrimônio histórico e cultural de todos os tempos têm se beneficiado da tecnologia, que não gera resíduos tóxicos ou radioativos.

Empregar a radiação representa vantagens em relação aos processos químicos: não requer período de quarentena após o tratamento e não são gerados gases tóxicos ou substâncias nocivas. Com isso, não há impactos à saúde de quem realiza o processamento ou manuseia a obra, nem danos ao meio ambiente.

A radiação ionizante também é utilizada na redução da carga microbiana ou para eliminar infestação de pragas em produtos agrícolas, em alimentos, produtos médicos e farmacêuticos. O irradiador multipropósito, equipamento utilizado nas pesquisas e serviços prestados pelo CTR, foi desenvolvido no IPEN com tecnologia nacional.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Brinquedos atômicos

No Dia das Crianças o assunto é brinquedo!

Este site das Universidades Associadas de Oak Ridge (ORAU, sigla em inglês) agrupa alguns "brinquedos atômicos" que já foram vendidos principalmente nos Estados Unidos. Destaquei alguns que achei curiosos.

Nunca gostei de arminhas (é brinquedo de menino!), mas essa é interessante pela antiguidade. A pistola atômica do herói norte-americano Buck Rogers da imagem ao lado foi lançada em 1930!


Na década de 1950, surgiram vários kits nucleares. O Gilbert U-238 Atomic Energy Lab, por exemplo, era um dos mais completos. Vinha com algumas fontes radioativas (emissores de radiação alfa, beta e gama), um detector cintilador, uma câmara de nuvem, um contator Geiger e um eletroscópio!

Nessa época surgiram também jogos de tabuleiro que eram verdadeiras corridas para a extração do minério de urânio. O Uranium Rush Board Game e o Uranium Board Game são exemplos.


Entre 1957 e 1960 e, portanto, em plena Guerra Fria, o Kusan KF-110 Atomic Train foi lançado. Na primeira versão, o trem atômico continha apenas um vagão com o reator nuclear para sua tração. Posteriormente, foram lançados vagões que carregavam míssies e bombas nucleares.

Já em 1965, foi lançado o jogo de cartas Nuclear War. O interessante é que nesse jogo geralmente todos são varridos do mapa e ninguém ganha a guerra nuclear!

Na década de 1980, surgiu a réplica para montar do primeiro navio mercante movido à energia nuclear - o N. S. Savannah.

No ínicio da década de 1990, não podia faltar um brinquedo dos Simpsons: um caminhão de transporte de rejeitos radioativos dirigido, claro, por Hommer.

Ainda em 1990, foi lançada a réplica  (embora não muito fiel) para montar do primeiro submarino nuclear do mundo: o U.S. Nautillus.


Outro brinquedo que fez sucesso na década de 1990 foram os óculos que "permitiam" uma visão de raio-x, como o X-Ray Spex.

No final da década, surgiu o sangrento Fallout. Neste jogo, um grupo de 1000 pessoas, escondidas em um abrigo nuclear subterrâneo, não tiveram nenhum contato com o mundo exterior por cerca de 80 anos após um holocausto nuclear. Mas, o reciclador de água da comunidade falhou e o jogador tem que ir para fora para encontrar um substituto para o microchip do reciclador. E é aí que o bicho pega!

Já em 2000, uma réplica para montar da usina nuclear de Three Mile Island foi lançada.



O último brinquedo da minha lista é a réplica do submarino nuclear americano USS Seawolf SSN-21 comandada por controle remoto (esse não está no site da ORAU).

Isso sem falar nos robôs e monstros radioativos, nas bebidas, balas e chocolates atômicos e nas Histórias em Quadrinhos!

Confira mais no site da ORAU (em inglês). E Feliz Dia das Crianças!

domingo, 9 de outubro de 2011

Dos fósseis aos renováveis: a difícil transição energética

Já são tão comuns os discursos que defendem a passagem IMEDIATA para as chamadas fontes renováveis de energia que nem paramos para pensar se isso de fato é possível. E muitas vezes a energia nuclear é pintada como a grande inimiga dessas fontes renováveis. Pura bobagem!

O Dr. Ronaldo Goulart Bicalho, Pesquisador do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esclarece as dificuldades tecnológicas, econômicas e político-institucionais de se aumentar a participação das fontes renováveis na matriz energética.


Dos fósseis aos renováveis: a difícil transição energética

Por Ronaldo Bicalho (Fonte: Blog Infopetro)


A construção de uma política energética, que administre a difícil passagem de uma economia baseada nos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono, não é uma tarefa fácil.

A massiva substituição dos combustíveis fósseis pelas fontes de energia renováveis envolve mudanças tecnológicas, econômicas e institucionais significativas. Essas mudanças transcendem o setor energético e abarcam temas que dizem respeito a um conjunto de valores associados ao papel crucial da energia no desenvolvimento econômico e no bem estar social e à relação com os recursos naturais e o meio ambiente derivada, justamente, dessa crucialidade.

A compatibilização entre os imperativos da segurança energética e os da mudança climática, mediante o recurso à penalização dos combustíveis fósseis e ao incentivo às renováveis, tem-se demonstrado na prática muito mais complexa do que o imaginado inicialmente.

A idéia de reunir o melhor dos dois mundos – a autossuficiência e a baixa emissão, o aumento da segurança energética e o combate aos fatores geradores da mudança climática – em torno da ampliação das fontes renováveis na matriz energética vem encontrando dificuldades tecnológicas, econômicas e político-institucionais crescentes.

A primeira dificuldade é tecnológica e diz respeito à necessidade de que haja avanços significativos nas tecnologias renováveis para que elas possam competir de fato com as tecnologias tradicionais. Esses avanços referem-se à superação dos problemas associados às baixas estocabilidade, densidade e escala, características do atual estágio de desenvolvimento das renováveis.

O problema principal aqui é que é baixa a probabilidade de que estejamos no limiar de rupturas tecnológicas radicais nessa área, que impliquem em um desenvolvimento em escala massiva de fontes de energia limpas e baratas.

Na verdade, o desenvolvimento de novas tecnologias energéticas limpas tem-se demonstrado muito difícil e caro, o que faz com que muitos especialistas considerem que sem o apoio continuado dos subsídios e incentivos governamentais, essas tecnologias terão um impacto muito pequeno no mix energético.

Dessa maneira, deve ser encarada com certo cuidado a concepção de que o avanço tecnológico esteja às portas de tornar as renováveis competitivas na geração de eletricidade, ou de produzir uma bateria que faça com que o veículo elétrico seja capaz de competir de igual para igual com o carro a gasolina tanto em termos de preço quanto de autonomia.

Não se deve esquecer que a grande vantagem das fontes fósseis é a sua flexibilidade; ou seja, a sua capacidade de fornecer a quantidade de energia desejada, no momento desejado e no local desejado. Essa “liquidez” energética, que garante a elevada certeza do acesso imediato a um “poder energético”, quer seja em termos de calor ou de trabalho, sem “restrição” temporal ou espacial, advém, justamente, da estocabilidade e densidade elevadas, intrínsecas a essas fontes.

O grande desafio das fontes renováveis é exatamente a construção dessa flexibilidade, dessa liquidez, de tal forma a permitir a substituição em grande escala dos combustíveis fósseis sem a alteração do padrão de consumo de energia tradicional.

Na medida em que essa substituição hoje não se sustenta tecnologicamente, via uma radical redução dos seus custos, a expansão das renováveis passa a depender de mecanismos que as tornem competitivas frente às fontes fósseis.

Esses mecanismos acabam passando, de uma forma ou de outra, pela penalização do uso dos combustíveis fósseis e pelos incentivos ao uso das fontes renováveis.

Dessa forma, o estabelecimento de um preço/custo para as emissões de CO2, na forma de uma taxação ou de um sistema tipo cap-and-trade, surge como uma forma de penalizar o uso dos fósseis.

Essa é uma maneira de elevar o custo da energia derivada dos combustíveis fósseis, de tal forma que as tecnologias mais limpas possam enfrentá-la no mercado em melhores condições do que as atuais.

Por outro lado, pode-se tentar despejar pesados incentivos à expansão dos renováveis mediante o recurso a mecanismos fiscais e financeiros que por outras vias acabam construindo a competitividade que se deseja para essas fontes.

Contudo, tanto em um caso quanto no outro, trata-se de uma competitividade construída institucionalmente pelo Estado. O que coloca a política energética no centro da dinâmica de evolução do setor energético no início deste milênio.

Essa evolução passa a depender das escolhas sobre quais serão as fontes, os setores, os agentes econômicos e os atores políticos que serão penalizados e quais serão aqueles que serão incentivados por essas mesmas escolhas.

Note-se que a questão fundamental não é a substituição das fontes fósseis pelas renováveis, mas a transição entre elas, tanto no que concerne à sua duração quanto ao seu conteúdo.

A duração e o conteúdo da transição são essenciais porque eles definem a quantidade de recursos que será desembolsada pelo consumidor e/ou pelo contribuinte durante esse processo.

É evidente que quanto maior for essa quantidade, maiores serão os impactos tanto sobre a competitividade e o acesso à energia quanto sobre as contas dos governos.

Nesse caso, a busca de uma fonte de energia, que possa desempenhar o papel de ponte entre a situação atual e o futuro desejado, surge como uma maneira de administrar os custos da transição.

A escolha alemã pela energia nuclear, antes de Fukushima, e a aparente inclinação atual dos americanos pelo gás natural não convencional vão nessa direção da busca pela fonte de transição. Que pode ser uma fonte de emissão zero, como é o caso do nuclear, ou uma fonte com uma taxa de emissão mais baixa do que aquelas apresentadas pelo carvão e pelos derivados de petróleo, como é o caso do gás natural.

O recente recuo alemão, com o descarte do nuclear, pode apontar na direção da transição direta, com a radicalização do processo de mudança, que se, por um lado, reduz a duração desse processo, por outro, aumenta os seus custos e a sua incerteza. Esse aumento tem colocado dúvidas sobre as reais intenções e sustentabilidade econômica e política da proposta alemã. Principalmente, quando se contempla a crise européia.

Nesse sentido, o atual quadro de crise econômica e fiscal dos países desenvolvidos deve se tornar o maior obstáculo a implementação de uma agressiva política energética de ampliação massiva das fontes renováveis na matriz energética; principalmente, devido aos elevados custos associados a essa implementação.

No entanto, não existe uma forma única de se encarar esse quadro. Se um observador mirar a posição européia a partir de Bruxelas poderá chegar a conclusão de que os europeus estão dispostos a pagar todos os custos, quaisquer que eles sejam, relacionados ao cambio para uma economia de baixo carbono. De outra feita, se esse mesmo observador olhar para a posição da maioria republicana na Câmara dos Deputados chegará a conclusão de que os americanos não estão dispostos a pagar nenhum dos custos desse câmbio.

É evidente que tanto Bruxelas quanto os republicanos não podem ser considerados como sínteses das posições européias e americanas. Até porque é muito difícil falar em termos de posições sínteses que representem algum tipo de convergência atual em torno desses temas. Contudo, essas posições sintetizam as fortes dificuldades encontradas quando se busca construir uma convergência entre as políticas energéticas e ambientais no âmbito mundial. Convergência esta imprescindível para enfrentar a natureza global dos problemas relacionados à mudança climática.

Dessa maneira, considerar que no contexto atual não existem restrições tecnológicas e econômicas à passada dos fósseis para os renováveis, bastando simplesmente a vontade política de fazê-la, é a maneira mais certeira de inviabilizar qualquer política que pretenda justamente fazer essa passada de forma consistente econômica, tecnológica e institucionalmente.

Deve-se ter claro que as restrições tecnológicas e econômicas tornam a ampliação significativa da participação das fontes renováveis na matriz energética um objetivo que só pode ser alcançado hoje mediante a forte intervenção do Estado, utilizando-se de mecanismos de penalizações e incentivos que rebatem fortemente em custos e subsídios, que geram constrangimentos à competitividade e ao equilíbrio fiscal.

Abstrair essas restrições e esses constrangimentos é falsear o debate e se afastar de uma solução que seja, de fato, politicamente sustentável.

Não é apenas a ignorância dos efeitos da mudança climática que torna difícil a transição para uma economia de baixo carbono, a ignorância dos custos reais dessa transição também torna difícil a definição de uma política consistente que administre esse processo difícil e extremamente complexo em termos tecnológico, econômico e político.


Para saber mais:

Segurança energética e mudança climática: diferentes visões, diferentes políticas
Segurança energética e mudança climática: a difícil convergência
O acidente nuclear no Japão, a escassez energética e a mudança climática global


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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Cientistas brasileiros: César Lattes e José Leite Lopes

Hoje a dica de documentário é especial. Uma mistura brilhante de biografias e história da Ciência no Brasil.

César Lattes e José Leite Lopes são dois pilares da Física brasileira. Seus trabalhos acadêmicos impulsionaram a Física Nuclear e de Partículas e Campos no País. Além disso, eles lutaram, na primeira metade do século XX, por políticas desenvolvimentistas de Ciência e Educação no Brasil que culminaram, no final da década de 40 e ínicio de 50, na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e do Conselho Nacional de Pesquisas (antigo nome do CNPq).

Com imagens antigas, depoimentos de importantes cientistas, locução de Arnaldo Antunes e música de Aluisio Didier, o documentário Cientistas Brasileiros aborda o percurso acadêmico de César Lattes e José Leite Lopes, desde a vida de estudante até seus grandes feitos científicos e políticos.

Altamente recomendável. Ou melhor, essencial!

 
FICHA TÉCNICA:

Nome: Cientistas brasileiros 
César Lattes e José Leite Lopes

Ano de lançamento: 2003

Diretor: José Mariani

Duração: 53 min














Para saber mais


1947 - O ano do Méson Pi

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Fornecedores apertados sem demanda nuclear

Por ELISABETH ROSENTHAL

Fonte: Folha de São Paulo, Caderno The New York Times, 03 de Outubro de 2011.

Reprodução / Michael Sohn-AP Photo
BIBLIS, Alemanha - Depois de fechar a metade de seus reatores nucleares praticamente da noite para o dia, a Alemanha se prepara para a possibilidade de blecautes significativos.

As usinas nucleares há anos geravam quase um quarto da eletricidade do país. Mas depois do tsunami no Japão e do terremoto que espalhou a radiação de Fukushima a meio mundo de distância, o governo alemão desligou os oito reatores mais antigos dos 17 do país no prazo de alguns dias.

Depois, com um novo plano para abastecer a Alemanha sem energia nuclear e uma crescente dependência da energia renovável, o Parlamento decidiu fechá-las permanentemente. Há planos para aposentar os nove reatores restantes até 2022.

A Siemens, maior conglomerado de engenharia da Europa, anunciou recentemente que vai parar de construir usinas nucleares em todo o mundo. A empresa, que instalou todas as usinas nucleares da Alemanha, é a primeira grande companhia a anunciar tal mudança de estratégia.

Os produtores de eletricidade da Alemanha estão se esforçando para garantir o fornecimento. Os clientes e as empresas estão nervosos sobre se suas luzes e linhas de montagem continuarão funcionando neste inverno. Especialistas discutem a alta dos preços.

"Tenho certeza de que poderemos um dia viver sem a energia nuclear, mas isto é repentino demais", disse Joachim Knebel, principal cientista do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe. Ele disse que a Alemanha só sobreviveu a essa experiência importando eletricidade da França e da República Checa, que geram a maior parte de sua energia com reatores nucleares.

Também há preocupações de que o plano prejudique os esforços para conter o aquecimento global. Se a quarta maior economia do mundo voltar a depender de usinas a carvão ou do fornecimento incerto de gás natural da Rússia, não estará trocando um risco potencial por um real?

"A moratória nuclear é uma notícia muito ruim em termos de política climática", disse Laszlo Varro, diretor da divisão de mercados de gás, carvão e energia da Agência Internacional de Energia. "Não estamos longe de perder essa batalha, e perder o potencial nuclear torna isso desnecessariamente difícil."

O governo diz que fará grandes investimentos para melhorar a eficiência energética, assim como em novas fontes de energia limpas e linhas de transmissão. Até agora não houve blecautes.

A energia renovável hoje representa 17% da produção de eletricidade da Alemanha, número que deverá dobrar dentro de dez anos. Nos dias em que as turbinas a vento em alto-mar giram em velocidade máxima, a Alemanha produz mais eletricidade de fontes renováveis do que utiliza.

Até fechar os reatores, o país foi o principal exportador de energia da Europa. Com um total de 133 gigawatts de capacidade geradora, "havia realmente um espaço enorme para fechar as usinas nucleares", disse Harry Lehmann, diretor-geral da Agência Federal do Meio Ambiente da Alemanha e um importante político no campo de energia e meio ambiente, sobre o mapa do caminho que ele ajudou a criar.

O país precisa de cerca de 90,5 gigawatts de capacidade geradora para suprir a demanda nacional típica, de cerca de 80 gigawatts. Por isso os 25 gigawatts de energia nuclear não fariam falta à Alemanha.

O plano pede a criação de 23 gigawatts de usinas movidas a gás ou carvão até 2020. Por quê? Porque as usinas renováveis não produzem nem perto da capacidade se o ar estiver calmo ou o céu nublado, e há uma capacidade limitada de armazenar ou transportar eletricidade, dizem os especialistas em energia.

Os preços da eletricidade deverão aumentar de 50% a 60% por residência por ano, ou menos de 5%, segundo o governo.

Mas Stefan Martus, o prefeito de Philippsburg, disse que os custos de energia poderão aumentar mais drasticamente; o preço das licenças para compensar as usinas de energia suja é altamente imprevisível. E a Agência Internacional de Energia não pensa que a Alemanha conseguirá reduzir suas emissões por custo razoável sem a energia nuclear.

As autoridades de energia também questionam as previsões de que o consumo de eletricidade vá diminuir mais 10% durante a próxima década. A geração de energia do país é abundante, mas as empresas energéticas dizem que nem sempre está disponível.

O norte da Alemanha tem vento em alto-mar e depósitos de carvão, mas o sul -onde se situam a Mercedes, BMW e Audi- não tem uma fonte farta de combustível além da nuclear. A rede da Alemanha não tem linhas de transmissão de alta voltagem para distribuir a eletricidade produzida por longas distâncias.

O país tem aplicado dinheiro em usinas de biomassa e instalações solares. Mas a eletricidade solar ainda é muito cara e a produção pode ser altamente sazonal.
A eletricidade antes podia ser comprada na rede europeia, mas era a energia exportada pela Alemanha que ajudava a França a se aquecer no inverno.

"Se tivermos dias sem vento nem sol e não pudemos comprar energia do exterior, haverá o risco de blecautes", disse Vanzetta.