domingo, 23 de outubro de 2011

TerraPower: a energia nuclear sustentável

Bill Gates, o criador da Microsoft e um dos homens mais ricos do mundo, aposta também no setor energético. E um de seus investimentos mais promissores é o TerraPower, uma empresa "startup" que promete revolucionar a indústria nuclear mundial. Veja os argumentos de Bill Gates para investir neste projeto no vídeo abaixo.


A proposta da empresa é desenvolver um novo reator nuclear para geração de energia em larga escala, que seja economicamente competitivo, mas com uma infraestrutura mais simplificada que a dos reatores atuais. E para isso, o projeto do reator conta com a parceria de diversas instituições norte-americanas de renome, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o Laboratório Nacional de Argonne.

Os reatores nucleares são máquinas térmicas: a fissão nuclear dos átomos combustíveis libera energia que aquece um fluido refrigerante (água, por exemplo); isso produz vapor que movimenta a turbina que, por sua vez, movimenta um gerador elétrico, produzindo eletricidade (veja o vídeo abaixo para um reator como o de Angra dos Reis).



Grande parte dos reatores nucleares do mundo utilizam urânio levemente enriquecido como combustível (isto é, urânio com uma quantidade maior de urânio-235 que o encontrado na natureza). Esses reatores são chamados de térmicos porque os nêutrons que induzem a fissão dos núcleos de urânio-235 são pouco energéticos.

Já a proposta da TerraPower, por outro lado, é desenvolver um reator do tipo rápido, em que os nêutrons que induzem a fissão têm muita energia cinética. Tais reatores já existem, mas o Terrapower inova com a alta eficiência da fissão de seu combustível.

Fonte: Site do Terrapower.
O projeto do reator, iniciado em 2006, é baseado na ideia da "onda viajante" (travelling-wave reactor, em inglês), e é considerado pelo MIT como uma das "10 tecnologias emergentes de 2009". Entretanto, cabe ressaltar que essa ideia não é nova: esse tipo de reator foi proposto no final da década de 1950, mas foi estudado de forma intermitente até o interesse da empresa TerraPower nesse conceito.

Na proposta original, o reator TerraPower utilizaria, como combustível principal, urânio natural e/ou urânio empobrecido (um subproduto do processo de enriquecimento), ambos com bastante urânio-238. Apenas uma pequena quantidade de urânio enriquecido seria colocada na base inferior do reator para iniciar a reação em cadeia.

O urânio-235 é um isótopo físsil do urânio que libera nêutrons ao sofrer a fissão. Tais nêutrons são capturados pelo urânio-238, originando o isótopo instável urânio-239 que rapidamente decai para o Neptúnio-239. Este, por sua vez, decai por emissão beta para o Plutônio-239 que é um núcleo físsil, como o urânio-235.

Em outras palavras, ao converter urânio-238 (um isótopo de urânio que só sofre fissão em certas condições especias) em plutônio-239 (núcleo que sofre fissão mais facilmente), esse reator produz e queima seu próprio combustível!

Como a fissão do plutônio vai acontecendo localmente e vai mudando com o tempo à medida que mais plutônio é gerado, uma "onda" de queima do combustível é produzida de uma ponta até a outra do reator, muito semelhante a um cigarro queimando. O vídeo abaixo (em inglês) ilustra melhor essa ideia da "onda viajante".



Os benefícios desse conceito de reator são claros: ele não precisa ser reabastecido, nem ter seus resíduos removidos até o final da vida do reator, que é de cerca de 60 anos. Além disso, a utilização dos resíduos radioativos nesse reator reduziria a quantidade de resíduos do ciclo de vida do combustível nuclear, aumentando, consequentemente, a quantidade disponível de urânio no mundo para a geração de energia elétrica.

Segundo o Technology Review, do MIT, este audacioso projeto, entretanto, foi alterado recentemente, e hoje se parece mais com os reatores convencionais. As mudanças tornariam o reator mais fácil de ser projetado e construído.

No novo projeto, as reações nucleares ocorrem no centro do reator ao invés de começar em uma extremidade e mover-se para a outra. Para iniciar a reação em cadeia, varetas de urânio enriquecido são dispostas no centro do reator. Ao redor destas, são colocadas varetas ricas em urânio-238. À medida que as reações nucleares prosseguem, as varetas de urânio-238 mais próximas ao centro são as primeiras a serem convertidas em plutônio, que é então fissionado, produzindo mais plutônio nas varetas combustíveis mais próximas. Em outras palavras, a "onda" de queima agora é do centro para as bordas do reator (veja a figura abaixo).

Simulação numérica de um reator de onda viajante. Vermelho: uranio-238, Verde: plutonio-239, preto: produtos de fissão. Fonte: Wikipedia.

Neste projeto especificamente, à medida que as varetas combustíveis são queimadas (isto é, o plutônio sofre fissão), elas são levadas para a periferia do reator utilizando um dispositivo de controle remoto mecânico. As varetas de urânio-238 restantes, incluindo aquelas que em que parte do urânio já foi convertido em plutônio, são, então, reorganizadas em direção ao centro do reator para tomar o lugar do combustível removido.

Assim, neste sistema, o calor sempre é gerado perto do centro do reator. Como resultado, é mais fácil extrair e utilizar o calor para gerar eletricidade.

Um dos maiores desafios deste projeto é garantir que o revestimento de aço das varetas combustíveis possa sobreviver à exposição a décadas de radiação. Os materiais atuais não são bons o suficiente: eles incham, atrapalhando a circulação do fluido refrigerante que remove o calor das varetas combustíveis, podendo, com isso, resultar em "pontos quentes" dentro do reator.

A empresa TerraPower também desenvolve projetos para um sistema de refrigeração passiva. Como muitos outros modelos de reatores avançados, o reator TerraPower usa metal de sódio fundido como o refrigerante. O sódio demora muito mais para ferver do que a água, o que dá aos operadores de reatores mais tempo para responder a acidentes. Também seria possível usar convecção natural em caso de queda de energia, de forma que o refrigerante não teria que ser continuamente bombeado para o reator, como foi o caso em Fukushima. Um dos perigos do uso de sódio, no entanto, é que ele reage violentamente quando exposto ao ar ou água.

Depois de tudo isso, você deve estar se perguntado "o quão perto da realidade está tal tecnologia?". Segundo John Gilleland, presidente da empresa Terrapower, a "operação de um reator de onda viajante pode ser demonstrada em menos de 10 anos, e sua implantação comercial pode começar em menos de 15 anos".

Os próximos passos da Terrapower incluem finalizar o projeto e encontrar parceiros para construir, em 2016, a planta de demonstração de 500 MWe de potência. Já foram feitas negociações com organizações na China, na Rússia e na Índia. A empresa espera ter um anúncio sobre os parceiros nos próximos meses.


Para saber mais:

A energia nuclear é uma alternativa sustentável? Bill Gates acredita que sim.
Traveling wave reactor. Wikipedia.
Advanced Reactor Gets Closer to Reality. Technology Review.
Site da empresa Terrapower.


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