domingo, 24 de junho de 2012

Por que "nuclear" assusta tanto?

Em artigo, o assistente da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, desmistifica alguns preconceitos contra a energia nuclear. 

Por Leonam dos Santos Guimarães*
 

Diga isso em voz alta: NUCLEAR. Como você se sente? Muitas pessoas têm associações negativas com a palavra, sentimentos que foram amplificados desde que um terremoto e um tsunami de severidade inusitada atingiram as usinas da Central de Fukushima Daiichi, no Japão, dia 11 de março de 2011.

As autoridades de saúde continuam a enfatizar que os níveis de radioatividade não vão chegar a prejudicar a saúde humana. Foram traços que não constituem motivos de preocupação.

Se não há perigo real, por que o medo? As pessoas geralmente pensam sobre risco do ponto de vista emocional, não de uma avaliação racional. Veja como você realmente pode calcular o risco: multiplique a probabilidade de evento indesejado pela gravidade de sua consequência. Mas, se você pedir às pessoas para avaliar riscos, certamente esse cálculo não funcionará. Elas responderão com sua intuição. Uma alta porcentagem das pessoas associa usinas nucleares a armas nucleares. Essa associação ainda está no coração e mentes e condicionam as reações à geração elétrica nuclear.

Alguns dizem que nossa aversão à energia nuclear vai mais longe do que isso. A forma como pensamos sobre a energia nuclear tem raízes anteriores à descoberta da radioatividade em 1896. os alquimistas medievais, por exemplo, estavam interessados em transmutação, que se define como o renascimento através da destruição. Ideias sobre a transmutação e cenários apocalípticos se reuniram em torno do potencial da radiação, percebida como perigosa demais.

Alquimistas medievais

Na década de 1930, a maioria das pessoas associava a radioatividade com raios estranhos que podiam causar uma morte horrenda ou o milagre de uma nova vida, com cientistas loucos e seus montros ambíguos, com segredos cósmicos da morte ou da vida, com uma futura Idade do Ouro, talvez alcançada apenas por meio de um apocalipse e com armas potentes o suficiente para destruir o mundo.

Ressonância Nuclear Magnética
Hoje, as pessoas são submetidas regularmente a procedimentos diagnósticos chamados de "ressonância magnética", mas a técnica foi originalmente chamada de "ressonância nuclear magnética", com o primeiro testes com seres humanos feiots na década de 1970. Mas, por causa das más associações, ninguém queria entrar em ma máquina chamada "nuclear", e assim o nome foi alterado.

Diversos estudos internacionais mostram que, na indústria de geração elétrica, a nuclear é aquela que provoca o menor número de mortes por quilowatt-hora produzido. Aqui estão alguns números reais: 10.000 mil pessoas terão morrido de câncer resultante de Chernobyl, o maior acidente nuclear do mundo, de acordo com algumas estimativas bastante pessimistas. Só que a poluição das usinas a carvão causa um número bem maior de mortes a cada ano. Mas, estams falando de uma forma invisível de morrer mais cedo - por câncer, em Chernobyl - versus outra forma: a poluição do ar por partículas finas.

Em Fukushima Daiichi ninguém morreu por doenças decorrentes da radiação, mas o número de mortos decorrentes dos efeitos do terremoto e tsunami foi maior que 16.000 pessoas. Ao invés do nos preocuparmos com traços de radioatividade que são eventualmente encontrados em diversos locais do mundo, porque são muitos fáceis de medir, seria mais importante nos mobilizarmos para ajudar as vítimas do tsunami e do terremoto.

A familiraridade com o risco é parte fundamental da sua percepção. Algo que é relativamente desconhecido pra você vai parecer mais perigoso do que algo que você já se expôs anteriormente. E a geração elétrica nuclear e seu funcionamento não são temas com os quais as pessoas estejam familiarizadas.

Isso explica porque é nas comunidades mais próximas das usinas nucleares que se encontram os altos níveis de aceitação, decorrentes da convivência e maior conhecimento, que fazem com que a percepção dos riscos seja mais realista, mas também por uma percepção mais clara dos benefícios associados.

Curiosamente, a radiação deveria ser familiar a todos, já que está em toda parte. A radiação está em torno do nós, vinda do Sol, do espaço e de outras fontes naturais na própria Terra. E ele é empregada rotineiramente em procedimentos médicos, como raios-X e tratamentos de câncer. Mas a consciência de que a radiação pode levar à temida consequência de câncer nos faz sentir mal sobre a exposição a usinas nucleares.

A radioatividade natural existe na Terra desde que o planeta se formou. São cerca de 60 radionuclídeos presentes na natureza. Eles são encontrados no ar, água, solos, rochas e minerais, bem como nos alimentos e no nosso próprio corpo. Cerca de 90% desta radiação ambiental provêm de fontes naturais, sendo a maior delas o gás radônio.

Alguns locais do mundo, chamados de Áreas de Alta Radiação de Fundo (High Background Radiation Areas - HBRAs) têm, anomalamente, altos níveis de radioatividade naturais, muito superiores à média do planeta. A geologia e geoquímica das rochas e dos minerais encontrados nessas áreas têm a maior influência na determinação de onde esta alta radiação natural aparece.

Áreas de Alta Radiação de Fundo na Terra

HBRAs extremas são encontradas principalmente em regiões tropicais, áridas ou semi-áridas, como Guarapari (Brasil), sudoeste da França, Ramsar (Irã), partes da China e Costa do Kerala (Índia). Em certas praias do sudeste do Brasil, especialmente no sul do estado do Espírito Santo, os depósitos de areia monazíticas são abundantes. Os níveis de radiação externa nessas areias corresponde a quase 400 vezes o nível normal de radiação de fundo. Essas areias da costa brasileira tẽm vários minerais radioativos, dentre eles monazita, zircônio, torianita e columbita-tantalita, bem como minerais não-radioativos, incluindo elmenita, rutiló, pirocloro e cassiterita.

Areia monazítica no Brasil

No sudoeste da Índia, ao longo dos 570 km de extensão da costa do estado de Kerala (Índia), há também grandes jazidas de areias ricas em monazita, com elevada radiação natural. Os depósitos de monazita são ainda maiores do que aqueles encontrados no Brasil, mas a dose externa de radiação é, em média, semelhante às verificadas em nosso País.

Ramsar, uma cidade no norte do Irã, tem os mais altos níveis de radiação natural do mundo. Exposições tão elevadas, como 260 mGy/ano já foram registrados em Ramsar. A unidade de radiação ionizante utilizada aqui, Grays por ano, corresponde a 1 Joule de energia transferida a 1 kg de tecido vivo (o miligray, mGy, que é um milionésimo de Gray, é mais comumente usado). Uma exposição de corpo inteiro a uma dose uniforme de 3-5 Gy mataria 50% dos organismos expostos num período de 1 a 2 meses.

A característica mais interessante em todos estes casos é que estudos epidemiológicos mostram que pessoas que vivem nestes locais HBRAs não parecem sofrer de qualquer efeito adverso sobre a saúde como resultado de suas exposições elevadas à radiação. Pelo contrário, em alguns casos os indivíduos que vivem nessas HBRAs parecem ser ainda mais saudáveis e viver mais do que aqueles em locais de controle que não são classificados como HBRAs.

Tais fenômenos colocam muitas questões intrigantes. Se eles fossem mais conhecidos do público, talvez criasse aquela familiaridade, tão fundamental para a percepção de riscos, que possibilitaria não termos tanto medo do "nuclear".


* Leonam dos Santos Guimarães é Assistente da Presidência da Eletronuclear e membro do Grupo Permenente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor-Geral da AIEA.


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