terça-feira, 4 de dezembro de 2012

E o navegador italiano chegou ao novo mundo!

Dr. Enrico Fermi
Em 02 de Dezembro de 1942 "o navegador italiano chegou ao novo mundo! E os nativos eram amigáveis!" Foi assim, em código, que os governantes norte-americanos em Washington ficaram sabendo do sucesso do experimento conduzido pelo físico italiano Enrico Fermi.

Há 70 anos atrás, Enrico Fermi e sua equipe conseguiram, pela primeira vez na História da Humanidade, sustentar uma reação de fissão em cadeia de forma controlada! Esse experimento, conhecido como pilha número 1 de Chicago (ou Chicago Pile 1, em inglês) foi montado em uma quadra abandonada na Universidade de Chicago e pode ser considerado o primeiro reator nuclear feito pelo homem.

O experimento consistia em blocos de grafite, semi-esferas de óxido de urânio e de urânio metálico e barras de cádmio empilhados de forma organizada. As primeiras e últimas camadas continham apenas blocos de grafite e formavam a base e o topo da pilha. Já nas camadas intermediárias, alternavam-se camadas de grafite contendo semi-esferas de urânio e camadas contendo grafite apenas, como mostra a figura abaixo.

Camadas intermediárias da pilha número 1. Fonte: Arquivo da Universidade de Chicago.

Na época, esse experimento custou cerca de 2,7 milhões de dólares pagos com os recursos do Projeto Manhattan, o projeto que desenvolveu as primeras bombas atômicas. Na figura abaixo, é possível ter uma ideia melhor do tamanho desse experimento. Ao todo foram 56 camadas empilhadas com 350 toneladas de grafite puro, 36,3 toneladas de óxido de urânio e 5,4 toneladas de urânio metálico. A pilha final tomou a forma de um elipisóide achatado com aproximadamente 7,6 metros de altura e 6,1 metros de largura.


O processo da fissão nuclear funciona mais ou menos assim: o urânio-235 é um núcleo atômico meio instável. Quando ele captura um nêutron que estava "dando sopa" perto dele, essa instabilidade do urânio-235 cresce bastante a ponto de não ser mais possível segurar todos os prótons e nêutrons do núcleo juntos. Esse nêutron extra faz o núcleo de urânio-235 "perder as estribeiras"! O núcleo acaba então se dividindo, formando núcleos mais leves (isto é, com menos prótons e nêutrons) e liberando alguns nêutrons.  Esses nêutrons passam a vagar livremente, podendo ser capturados por outros núcleos de urânio-235, o que, por sua vez, ocasionam mais fissões nesses núcleos, liberando mais nêutrons e por aí vai!

Como cada fissão libera entre 1 e 3 nêutrons, mais e mais reações de fissão vão acontecendo com o passar do tempo. Chamamos isso de reação em cadeia.  O que o experimento de Fermi mostrou foi que essa reação em cadeia pode ser controlada, ou em outras palavras, o número de fissões ao longo do tempo pode ser controlado.

No experimento, ao adicionar os blocos de grafite, Fermi pensou em uma forma de aumentar a chance das fissões do urânio-235 acontecerem. Isso porque a chance de um núcleo de urânio-235 capturar um nêutron é maior quanto mais devagar esse nêutron se deslocar. Os nêutrons que são liberados na fissão têm energias cinéticas muito altas, ou seja, viajam com velocidades altissímas. Quando esses nêutrons apressadinhos interagem com o grafite, eles acabam perdendo energia e são freados. Dizemos que os blocos de grafite servem como moderadores dos nêutros rápidos.
 
Já as barras de cádmio, inseridas no meio dessa pilha, eram usadas para controlar a reação em cadeia. Isso porque o cádmio é um excelente absorvedor de nêutrons (mas ele não sofre fissão como o urânio-235). Ora, com menos nêutrons "no mercado" disponíveis para a fissão do urânio-235, a reação nuclear não se sustenta e o número de fissões vai caindo com o tempo. E acontece o contrário se retirarmos a barra da pilha, isto é, as fissões aumentam. É por isso que as barras de cádmio permitem que controlemos a reação em cadeia!

De fato, a criticalidade da pilha (termo usado para dizer que a reação em cadeia se sustenta) foi obtida retirando-se de pouco em pouco as barras de controle. No esquema abaixo, vemos um homem retirando manualmente a barra de controle da pilha!

Esquema do experimento. Fonte: Arquivo da Universidade de Chicago.

Observe ainda que havia um outro conjunto de barras na parte de cima da pilha. Essas eram as barras de segurança! Caso alguma coisa desse errado, um homem posicionado no balcão superior cortaria a corda que segura as barras com um machado(!) e estas cairiam no núcleo, interrompendo a reação em cadeia. Isso, inclusive, parece ser a origem do termo SCRAM, termo usado até hoje para o desligamento de emergência dos reatores nucleares: SCRAM é o acrônimo de "Safety Control Rod Ax Men" (algo como "homem do machado para as barras de segurança").

O vídeo a seguir (em inglês) foi lançado esse ano pelo Laboratório Nacional de Argonne em comemoração aos 70 anos do experimento e traz o relato de pessoas que trabalharam para alcançar a primeira reação em cadeia controlada da história da humanidade. 



Para saber mais:

Arquivo fotográfico da Universidade de Chicago

CP-1 goes critical


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